Estudo publicado na 'Nature' altera a classificação e evolução desses animais. Para o paleontólogo Max Langer, conclusões são bastante arriscadas
Uma nova proposta, publicada nesta quarta-feira na revista científica Nature, pretende revolucionar a classificação e também o que sabemos sobre o modo como os dinossauros evoluíram. O estudo defende que os dois grandes grupos em que esses animais são tradicionalmente divididos, Saurísquios e Ornistísquios, devem ser reorganizados. A pesquisa, feita por cientistas da Universidade de Cambridge e do Museu de História Natural de Londres, na Inglaterra, analisou 475 características anatômicas de 75 grupos de dinossauros. Os resultados, que divergem dos últimos 130 anos de estudos sobre a taxonomia desses animais, têm implicações que poderiam mudar toda a literatura da área: os dinossauros teriam um ancestral comum que surgiu no Hemisfério Norte, e não Sul, como se acredita; eram onívoros, pequenos, bípedes e, possivelmente, tinham pequenas garras.
“A hipótese é interessante e até é possível que seja verdade. No entanto, a base de dados utilizada no estudo é muito pobre e não dá suporte para uma nova classificação ou origem a partir de outro ancestral”, afirma o paleontólogo Max Langer, professor da Universidade de São Paulo (USP) e presidente da Sociedade Brasileira de Paleontologia. Segundo o cientista, a nova proposta, que está causando discussões acaloradas na comunidade científica internacional, é “muito radical”. “Grande parte da análise foi feita com base em descrições já registradas na literatura. Para se propor algo tão inovador seria necessário observar os fósseis diretamente”, afirmou.
A classificação dos dinossauros
O grupo Dinosauria foi descrito pela primeira vez em 1842 pelo paleontólogo britânico Richard Owen. Pouco mais de quarenta anos depois, percebeu-se que havia grandes diferenças entre os dinossauros, que foram divididos em dois: Ornistísquios, que têm ossos dos quadris semelhantes aos das aves; e os Saurísquios, com ossos dos quadris mais próximos aos dos lagartos. Nessa classificação, dinossauros como os tricerátopos e o estegossauro (herbívoros e quadrúpedes) pertencem ao grupo dos Ornistísquios, enquanto terópodes como o T. rex (carnívoro e bípede) e saurópodes como o brontossauro (herbívoro e quadrúpede), bem como dinossauros do grupo herrerasauridae, que seriam descendentes dos terópodes, estão sob a classificação de Saurísquios.
A nova hipótese sugere que os terópodes estariam mais próximos ao grupo dos Ornistíquios. Já os membros do herrerausidade seriam um grupo independente dos terópodes e, junto com os saurópodes, formariam os Saurísquios. O início da nova análise se deu, há três anos, quando Matthew Baron, líder do estudo, percebeu que o estegossauro se assemelhava muito aos terópodes, com destaque para a formação do crânio, ossos das pernas e do tornozelo e, portanto, não cabia na classificação tradicional.
Surgimento dos dinossauros
Para verificar como isso aconteceu, o cientista liderou uma equipe que observou centenas de características anatômicas e chegou à conclusão de que a classificação deveria ser reorganizada. Além disso, 21 desses traços possivelmente haviam sido herdados do mesmo ancestral. De acordo com a nova análise, ele seria o saltopus, um pequeno dinossauro escocês que viveu entre 250 a 200 milhões de anos, pesava cerca de um quilo e tinha sessenta centímetros de comprimento e trinta de altura. Com base nessas evidências, o estudo sugere que os primeiros dinossauros eram como essa espécie, onívoros, pequenos, bípedes e tinham a capacidade de agarrar objetos com a mão. Acredita-se, contudo, que o ancestral dos dinossauros estava em Gondwana, região que deu origem ao Hemisfério Sul.
“Os fósseis de dinossauros mais antigos foram encontrados no Brasil ou na Argentina (há também vestígios na Índia). Possíveis ancestrais foram achados em todo o mundo, contudo ainda não sabemos se existe apenas um ancestral comum e qual seria. O fóssil do saltopus é constituído de buracos em rochas, ou seja, é bastante grosseiro. Afirmar que ele seria o antepassado original é ousado”, afirmou Langer.
De acordo com os cientistas, a nova análise precisará ser confirmada por estudos posteriores. Segundo o paleontólogo americano Kevin Padian, da Universidade da Califórnia, nos Estados Unidos, que escreveu um comentário que acompanha a publicação do estudo na Nature, a proposta de uma revisão na organização dos dinossauros é benéfica para a ciência. Como o novo estudo usou “métodos padronizados, os resultados não poderão ser desprezados como opiniões diferentes ou especulações. Em vez disso, as análises das características precisarão ser esmiuçadas nos mínimos detalhes pelos cientistas. E isso também deverá acontecer com os estudos anteriores. Isso, no fim das contas, é muito bom para a área”, afirma.
Segundo Langer, no entanto, os cientistas devem ter cautela ao considerar classificações tão inovadoras. “Mais estudos deveriam ter sido feitos antes de se propor algo tão revolucionário. Para contrariar anos de estudo evolutivo, seria necessário ter mais cuidado”, afirma.
Comentários
Postar um comentário